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Bem-vindos a mais um skyupdate premium! Eu sou Mariana Dalaqua e hoje irei discutir com vocês sobre as Patologias venosas do sistema nervoso central na infância, com base em um artigo publicado em 2020 na revista Neuroradiology.
O desenvolvimento e a fisiologia do sistema venoso intracraniano são complexos e não totalmente compreendidos. Na infância, tal complexidade predispõe a várias patologias, seja por mecanismos diretos ou indiretos. Começaremos revisando alguns conceitos de embriologia e variações anatômicas importantes. Em seguida, o artigo faz uma revisão ilustrada do assunto, com pontos-chave para a interpretação das imagens, enquanto propõe uma classificação pragmática para este grupo de doenças, globalmente agrupadas em três grandes categorias: desordens com shunts arteriovenosos, malformações venosas primárias e desordens veno-oclusivas.
Avaliação multimodal
A tabela 1, disponível abaixo, compara as modalidades de imagem quanto às suas vantagens e desvantagens. O papel de cada modalidade em relação a cada patologia é discutido separadamente em seguida.
Perspectivas embriológicas: pontos-chave
- 6 semanas de idade gestacional (IG): prosencéfalo, mesencéfalo e rombencéfalo são drenados por um par de seios venosos longitudinais. Não existem veias cerebrais profundas;
- 7 semanas de IG: as estruturas venosas marginais de cada lobo telencefálico se encontram na linha mediana para formar o seio sagital superior (SSS). A foice cerebral primitiva contém o plexo sagital, composto de vários canais anastomóticos a partir dos quais se desenvolverão o SSS e o seio reto. Um seio falcino persistente decorre da persistência de um ou mais canais das alças anastomóticas caudais deste plexo sagital, que podem persistir como variante ao nascimento, mas também podem reabrir como rota de drenagem venosa alternativa no contexto de trombose venosa de outros seios durais;
- 8 semanas de IG: os plexos coroides desenvolveram uma importante conexão venosa com o SSS formado, a veia prosencéfálica mediana ou veia de Markowski (VPM). Em circunstâncias normais, o segmento anterior desta estrutura do teto do III ventrículo posteriormente atrofia, enquanto o segmento posterior recebe drenagem das veias cerebrais internas. Raramente, conexões arteriais anormais resultam em não-involução e hipertrofia desta estrutura, formando a chamada veia da malformação aneurismática de Galeno (VGAM). O desenvolvimento do plexo coroide acompanha-se de uma transição da drenagem venosa dominante do sentido centrífugo para o sentido centrípeto, por via das veias cerebrais internas.
- 12 semanas de IG: a configuração do sistema venoso cerebral é muito próxima à do adulto.
- Ao nascimento, o seio cavernoso ainda não está conectado às veias cerebrais (o que se dá aos 6 meses), sendo responsável predominantemente pela drenagem das órbitas e cavidades nasais. Esta falta de rotas de drenagem alternativas na infância precoce explica a propensão a desordens hidrovenosas cerebrais que podem causar rápida deterioração clínica (“melting brain syndrome”), o que pode ser agravado se houver estenose/oclusão dos bulbos jugulares.
Anatomia normal
Variantes anatômicas relevantes
- Terço anterior do SSS atrésico: é a variante mais frequente do SSS. O segmento ausente é substituído por veias de drenagem parassagitais bilaterais que se unem ao SSS no plano da sutura coronal.
- Bifurcação alta do SSS: pode simular trombose nas imagens axiais, devendo ser avaliada nas imagens coronais.
- Assimetria e atresia do SSS (figura 2): achado comum, mais à esquerda. Podem aparecer como falhas de fluxo nas imagens TOF devido ao fluxo lento (avaliar bem as imagens T2 e pós-contraste para diferenciar de patologia).
- Seio falcino persistente: veias intrafalcinas conectam o sistema venoso profundo ao SSS. A falha de regressão destas veias anastomóticas no período pós-natal forma o seio falcino persistente, que pode ser uma variante da normalidade em 2.5% dos casos, porém pode estar associada à VGAM, cefalocele parietal atrésica e a outras anormalidades comissurais da linha mediana (figura 2).
- Seio occipital: alteração comum, presente em 60% dos casos, indo da tórcula venosa até a margem posterior do forame magno. Importante relatar sua presença, sobretudo nos casos em que pode ser necessária craniectomia da fossa posterior.
- Pseudomassa torcular: presença de tecido extra-axial na região da tórcula venosa, que pode ser confundido com trombo, neoplasia, cefalocele, cisto de inclusão ou histiocitose de células de Langerhans. Geralmente, em isossinal T1 e hipersinal T2, com realce (figura 2); a ausência de baixo sinal de ADC ajuda a excluir os diagnósticos diferenciais. Pode representar tecido conectivo associado a retardo de ossificação local ou periósteo dural proeminente, e tem resolução espontânea na maioria dos casos.
- Granulações aracnoides: projeções normais da aracnoide ao interior dos seios durais, podendo mimetizar trombos. Densidade e sinal iguais aos do LCR na TC/RM e formato arredondado (e não linear) ajudam a diferenciar de trombos.
- Aumento fisiológico da densidade dos seios durais na TC (figura 2): seios venosos e veias corticais normais podem aparecer hiperdensos em recém-nascidos (devido ao aumento fisiológico do hematócrito e à hipodensidade do cérebro ainda não mielinizado) e em crianças com policitemia.
Classificação das desordens venosas pediátricas
1. Desordens relacionadas a shunts arteriovenosos:
1.1 Shunts arteriovenosos durais (DAVS): Representam cerca de 10% de todos os shunts AV intracranianos em crianças, dividindo-se em três tipos: shunts associados a malformações dos seios durais (DSMs), DAVS infantis e DAVS do tipo adulto. Os três tipos podem ser observados em recém-nascidos.
1.1.1. Malformações dos seios durais (DSM): desenvolvem-se secundariamente a um shunt AV na vida pré-natal, dividindo-se em dois tipos: torcular (com envolvimento dos seios durais posteriores e grandes dilatações venosas, com shunt AV de fluxo lento; pior prognóstico) e lateral (shunt AV envolve o seio sigmoide e o bulbo jugular; melhor prognóstico). Por USG, são tipicamente triangulares e hipoecogênicos, deslocando o vermis cerebelar anteriormente. Cerca de 82% desenvolvem trombos internos em algum momento. Podem apresentar arterialização detectável ao Doppler, o que deve ser pesquisado ativamente, uma vez que a ausência de arterialização está associada a regressão espontânea, podendo alterar a conduta pré-natal quanto a um possível aborto (nos países em que isto é permitido). A RM confirma os achados. A maioria das DSMs têm regressão espontânea na vida fetal e bom prognóstico (figura 3), e as que progridem exigem tratamento endovascular. Complicações incluem insuficiência cardíaca, desordens hidrovenosas, ventriculomegalia e hemorragia parenquimatosa.
1.1.2. Shunts arteriovenosos durais (DAVS) infantis: são o tipo mais comum de shunts AV durais em crianças, embora sejam raros. Geralmente têm alto fluxo e baixa pressão, na presença de um seio dural patente e hipertrofiado. A imagem demonstra shunts AV durais multifocais, com seios venosos alargados e ausência de malformações sinusais ou de lagos venosos. Complicações incluem hidrocefalia, estenose da drenagem venosa, congestão pial, infartos venosos, hemorragia, macrocrania, retardo do desenvolvimento neuropsicomotor (RDNPM) e/ou convulsões e insuficiência cardíaca. O estado de alto fluxo e baixa pressão leva à formação de fístulas piais secundárias drenando para veias corticais e para o seio venoso, o que pode regredir após o tratamento da DAVS. Na ausência de tratamento, a artéria nutridora forma aneurismas e fístulas multifocais, com progressão da hipertensão venosa e suas consequências, inclusive isquemia, hemorragia, herniação tonsilar e siringomielia.
1.1.3. DAVS do tipo adulto em crianças: em adultos, são considerados lesões adquiridas secundárias a tromboses venosas, trauma, antecedente cirúrgico ou infecção. Em crianças, ocorrem durante ou após a infância, sem fatores desencadeantes claros. São mais comuns nos seios cavernosos, causando sopro, cefaleia e sinais de hipertensão intraocular. A imagem demonstra dilatação dos seios cavernosos e de suas estruturas tributárias (veias oftálmicas superiores e seios petrosos). Sinais de refluxo leptomeníngeo indicam necessidade de tratamento (preferencialmente, endovascular). Quando não tratados, estes shunts podem causar perda visual, hidrocefalia e déficits neurológicos secundários a hipertensão venosa e hemorragia.
1.2. Shunting arteriovenoso cerebral
1.2.1. Malformação da veia de Galeno (VGAM): apesar do nome, representam, na verdade, conexões anômalas (diretas e/ou nidais) entre artérias intracranianas e a veia prosencefálica medial de Markowski (VPM), sendo classificadas em murais ou coroidais. O tipo coroidal corresponde a mais de 90% dos casos e tem uma rede nidal na parede anterior da VPM, suprida por artérias coroidais, pericalosas e talamoperfurantes. Geralmente, são shunts de alto volume e mau prognóstico, associados a insuficiência cardíaca congestiva. Já as VGAMs murais apresentam um número limitado de conexões arteriais fistulosas, tipicamente na parede inferolateral da VPM, sem uma rede interposta. Estes pacientes apresentam-se mais tardiamente com sintomas hidrovenosos, incluindo RDNPM, hidrocefalia ou convulsões; eventualmente podem ser assintomáticos. À USG, as VGAMs são identificadas como grandes estruturas hipoecogênicas tubulares ou arredondadas na linha mediana posterior (a variz), com fluxo arterializado à análise Doppler. As demais artérias podem apresentar impedância significativamente variável, devido ao fenômeno de roubo de fluxo. Pode haver calcificações locais e trombose parcial. A RM confirma os achados, destacando-se os flow voids dentro da variz e nas artérias nutridoras e o sinal variável do trombo, além das alterações parenquimatosas (em geral, isquemia ou hemorragia locais). Complicações incluem hidrocefalia, macrocrania, prolapso tonsilar e “melting brain syndrome” (hipertensão venosa prolongada levando à hipóxia crônica e destruição acelerada da substância branca, com hidrocefalia secundária, condição rapidamente fatal se não tratada com urgência).
1.2.2. Dilatação aneurismática da veia de Galeno (VGAD): espectro de situações em que uma fístula AV ou uma MAV nidal usa a veia de Galeno madura como sua principal via de drenagem, e esta secundariamente se dilata. A condição se apresenta tardiamente na infância, geralmente após os 3 anos, com déficits neurológicos, hemorragia ou RDNPM. O tratamento do shunt AV subjacente permite a regressão da VGAD.
2. Malformações primárias
2.1. Varizes venosas
2.1.1. Varizes venosas primárias: são raras e representam um desafio diagnóstico, resultando de persistência da drenagem embriológica e inerente fraqueza da parede venosa. A maioria dos casos é assintomática; raramente os pacientes se apresentam com cefaleia ou convulsões devido ao efeito expansivo local, trombose ou hemorragia. Uma avaliação radiológica completa deve ser feita, incluindo-se a angiografia digital (DSA), a fim compreender o papel de drenagem da variz em relação à drenagem cerebral e predizer o risco de sua oclusão. Na TC, aparecem como lesões geralmente extra-axiais isodensas e com intenso realce, podendo causar remodelamento ósseo adjacente. Na RM, podem simular um meningioma, e uma fase venosa ajuda a confirmar a natureza vascular. Casos sintomáticos requerem tratamento endovascular ou oclusão cirúrgica.
2.1.2. Varizes venosas secundárias: dilatações focais secundárias ao aumento da pressão por shunts vasculares (incluindo FAVs piais e MAVs nidais). Desta forma, a VGAD pode ser considerada um tipo de variz secundária. Em outra situação, as varizes secundárias podem ocorrer sem shunts AV, nos contextos de DVAs.
2.2. Anomalia do desenvolvimento venoso (DVA): representam 60% das “malformações vasculares”, devendo ser consideradas uma variação extrema da drenagem venosa normal. Têm prevalência estimada entre 1.5-9.6%, presentes em todos os grupos etários, sem predileção de gênero. Uma DVA consiste em veias medulares dilatadas convergindo para uma veia coletora principal, que pode drenar para o sistema venoso superficial e/ou profundo. Tais vasos substituem veias normais e são necessários para a drenagem do parênquima local. O risco de hemorragia de uma DVA é estimado em 0.68% por ano. São achados raramente sintomáticos, apenas raramente exigindo tratamento. Algumas foram relacionadas a mutações de herança dominante no cromossomo 9p. Malformações cavernomatosas podem estar associadas em 6% dos casos, e outras condições associadas podem ser sinus pericranii, síndrome do nevo em bolha de borracha azul, malformações corticais e malformações venosas faciais.
2.3. Sinus pericranii: comunicação anormal entre os sistemas venosos intra e extracraniano por um defeito ósseo com veias emissárias transósseas. O componente extracraniano pode ser uma variz (mais comum), uma veia dilatada, malformação venosa ou uma MAV. O componente intracraniano depende da localização da lesão: lesões medianas tendem a se comunicar com o seio dural subjacente, enquanto lesões parassagitais comunicam-se com uma veia cortical. São lesões geralmente assintomáticas, detectadas pela palpação do componente extracraniano, que geralmente aumenta de tamanho em decúbito dorsal ou durante a manobra de Valsalva. Formas congênitas são fortemente associadas a outras condições, tais como DVAs, malformações venosas aneurismáticas profundas, craniossinostoses, malformações cavernomatosas e sd. de von Hippel-Lindau. O diagnóstico é clínico e a imagem é confirmatória, servindo para caracterizar o componente venoso intracraniano e pesquisar anomalias associadas. Se necessário tratamento, o prognóstico é excelente.
2.4. Síndrome de Sturge-Weber (SWS) e sd. metamérica venosa cerebrofacial: facomatose rara, de herança esporádica, caracterizada por malformações faciais (mancha em “vinho do porto”, associada à mutação no gene GNAQ, 19q21), malformações oculares e leptomeníngeas capilares (“angiomas”, que na verdade representam rede de capilares e canais venosos piais, que não regrediram desde a vida fetal). Os sintomas mais comuns são convulsões, déficits focais e retardo mental. Alterações oculares incluem glaucoma, buftalmo e perda de visão. As alterações vasculares cerebrais e faciais obedecem a uma distribuição metamérica. A estase venosa no local dos “angiomas” se relaciona a isquemia crônica e atrofia local, podendo haver “mielinização acelerada” adjacente como achado precoce, além de realce leptomeníngeo e hemangioma coroidal (figura 8). Achados tardios incluem atrofia, gliose, hipertrofia coroidea e calcificações distróficas (“em trilhos de trem”).
2.5. Telangiectasia hemorrágica hereditária: desordem familial caracterizada por telangiectasias mucocutâneas e malformações vasculares afetando vários órgãos. Tem herança autossômica dominante, causada por mutações em genes dos cromossomos 9q34 (HHT1), 12q13 (HHT2) ou 18q21 (SMAD4). As manifestações intracranianas incluem FAVs piais e durais, MAVs, malformações capilares, DVAs, telangiectasias capilares pontinas e malformações cavernomatosas. FAVs piais têm altos volumes nos shunts, resultando em aumento do calibre das artérias nutridoras, ectasia venosa e alterações locais secundárias à hipóxia. O risco de hemorragia destas malformações é discutível na literatura (figura 9).
2.6. Malformação venosa difusa: Raramente, pode-se encontrar uma malformação venosa intracerebral difusa mimetizando uma neoplasia. Tal massa pode ser calcificada, com focos hemorrágicos e realce tipo “blush”. Tal malformação não é associada a shunts internos e pode apresentar fenômeno de roubo de fluxo venoso, determinando atrofia do parênquima adjacente (figura 10).
3. Desordens veno-oclusivas
3.1. Trombóticas
3.1.1. Trombose sinovenosa cerebral (CSVT): Trombose sinovenosa cerebral (CSVT): a incidência na população pediátrica da Europa e América do Norte é estimada em 0.6:100.000/ano, com 30-50% dos casos ocorrendo em RNs e com predominância no sexo masculino. Os fatores de risco dependem da idade e incluem complicações perinatais (hipóxia, ruptura prematura de membranas, infecção materna, alterações placentárias, diabetes gestacional), infecções sistêmicas (sepse, desidratação) como fatores principais em RNs, e infecções de cabeça e pescoço e doenças crônicas em crianças mais velhas. Coagulopatias (deficiência de fator V, proteína C e S, anticorpos anticardiolipina) devem ser pesquisadas em todos os pacientes com trombose sinovenosa espontânea. Em todas as idades, o sistema venoso superficial é mais afetado que o profundo, especialmente os seios SS e transverso. Prematuros podem ser completamente assintomáticos, crianças menores podem se apresentar com convulsões e déficits difusos, enquanto crianças maiores costumam apresentar cefaleia, alteração do nível de consciência e/ou déficits focais. Em toda criança com hemorragia inexplicada ou lesão parenquimatosa não restrita a um território arterial, trombose venosa deve ser pesquisada. A USG com Doppler é muito útil em RNs e crianças menores, devendo-se lembrar que fluxo lento pode mimetizar trombose. Em crianças com sintomas inespecíficos, TC sem contraste geralmente é realizada no cenário de pronto-socorro, podendo demonstrar um seio venoso ingurgitado e hiperdenso. No entanto, deve-se ter muito cuidado para não confundir um exame normal em um RN (hiperdensidade fisiológica por aumento do hematócrito) com trombose venosa; a injeção do contraste esclarece a dúvida. Uma vez que devemos sempre evitar a TC nas crianças devido à radiação ionizante, a RM com fase venosa é o exame de escolha. Até 40% destes pacientes apresentam infartos venosos, dos quais 70% têm transformação hemorrágica.
3.1.2. Patologias venosas medulares profundas: congestão e/ou trombose das veias medulares profundas é uma causa reconhecidamente importante de isquemia e infarto periventricular. Causas comuns incluem insulto à matriz germinativa (MG), sepse, desidratação e infecções (especialmente virais, como por parechovirus e rotavirus). Se existe antecedente de AVC em crianças da mesma família, deve ser pesquisada causa genética, tal como alterações do colágeno IVA (mutações COL4A1 e COL4A2) e de moléculas de adesão (JAM3). Doenças sistêmicas e infecções virais podem causar alterações multifocais destas veias, enquanto hemorragias da MG e trombofilias não apenas causam danos focais como podem levar a infartos hemorrágicos periventriculares (PVHI), tipicamente poupando o córtex, o que os distingue dos infartos arteriais. Focos lineares e de orientação radial com restrição à difusão ou efeito “blooming” no SWI refletem trombose e/ou ingurgitamento venoso das veias medulares profundas (figura 13).
3.2. Não trombóticas: alguns autores já propuseram a relação entre obstrução à drenagem venosa, hipertensão venosa e hidrocefalia secundária. Vamos revisar alguns destes mecanismos.
3.2.1. Craniossinostose e obstrução do retorno venoso: condição causada por fusão prematura de algumas ou todas as suturas cranianas, levando a um formato e tamanho anormal do crânio. A drenagem venosa anormal nesta condição resulta da estenose ou ausência do complexo jugular-sigmoide (bulbo jugular e segmento intraósseo da veia jugular interna / do seio sigmoide), o que pode ser uni ou bilateral. Nesta condição, a drenagem se faz por veias emissárias colaterais (condilar posterior, estilomastoidea, occipital) em direção ao plexo suboccipital, às veias occipital, auricular posterior e cervicais profundas, e ao plexo vertebral interno. Três mecanismos explicam a drenagem venosa anormal: 1) anatomia óssea anormal; 2) mutações no receptor do fator de crescimento do fibroblasto (FGFR); 3) persistência do padrão de drenagem venosa fetal. Destaca-se que a avaliação por MRV é limitada neste cenário, devido a questões técnicas (efeitos de saturação no 2D-TOF, phase contrast pouco sensível ao fluxo lento e dependente da velocidade de codificação), sendo preferível a análise por TC nesta condição (também para a avaliação óssea).
3.2.2. Acondroplasia (AC) e obstrução da drenagem venosa: AC é a forma mais comum de displasia esquelética não letal, tem herança autossômica dominante causada por mutações no gene FGFR3 (cr. 4p16.3). Assim como na craniossinostose, a hipertensão venosa na acondroplasia provavelmente se relaciona à compressão do SSS e dos seios sigmoides, com desenvolvimento de veias emissárias colaterais na junção craniovertebral e associação de hidrocefalia.
3.2.3. Estenose do seio transverso na hipertensão intracraniana idiopática (IIH): desordem relacionada ao aumento de pressão liquórica acima de 280 mmH2O, sem uma causa identificável. É uma condição rara em RNs, aumentando de incidência entre os 2 e 12 anos (sem relação a sexo ou peso) e ainda mais após a puberdade (12-15 anos, com predominância em pacientes mulheres obesas). Estenose do(s) seio(s) transverso(s) está presente em 94% dos casos de IIH. Embora inicialmente considerada como causa de IIH, acredita-se que a estenose pode ser secundária à hipertensão intracraniana e não sua causa, sendo ainda controversa a indicação de tratamento endovascular (stenting) da estenose. Os pacientes podem se apresentar com cefaleia, náuseas, vômitos, alterações visuais, tinnitus, fotofobia e rigidez de nuca. A RM é útil para descartar outras causas de hipertensão intracraniana e para detectar seus sinais (retificação posterior do disco óptico, papiledema, distensão e tortuosidade do espaço liquórico perióptico e redução da altura da hipófise, achados inespecíficos isoladamente, porém suspeitos para IIH quando combinados).
Conclusão
O artigo revisa as variantes venosas normais e as armadilhas na interpretação da imagem das patologias venosas cerebrais da infância, com uma abordagem radiológica e patofisiológica, propondo uma classificação útil para a prática clínica.