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Aqui quem fala é Mariana Dalaqua, Neurorradiologista, e estou aqui para resumir pra você um artigo publicado em agosto de 2020 na revista Neuroradiology, realizado por um grupo de Neurorradiologia Intervencionista do Hospital Universitário Virgen de la Arrixaca, de Múrcia, na Espanha.
A pergunta do artigo é a seguinte: A escala de Fisher modificada e o padrão radiológico do sangramento predizem a chance de complicações neurológicas em pacientes com hemorragia subaracnoide não aneurismática?
Antes de tudo, vamos começar revisando rapidamente três conceitos importantes para a compreensão deste artigo:
1 – escala de Fischer modificada;
2 – escore Hunt e Hess;
3 – escala de Rankin modificada.
1 – A escala de Fisher modificada é uma escala radiológica usada para graduar a hemorragia subaracnoide (HSA) na TC sem contraste, geralmente usada no contexto de HSA aneurismática (HSA-A), guardando relação com a possibilidade de desenvolver vasoespasmo. Não foi testada antes em pacientes com HSA não aneurismática (HSA-NA).
- Grau 1 – HSA fina (< 1 mm), focal ou difusa, sem hemorragia intraventricular, chance de vasoespasmo sintomático de 24%
- Grau 2 – HSA fina (< 1 mm), focal ou difusa, com hemorragia intraventricular, chance de vasoespasmo sintomático de 33%
- Grau 3 – HSA espessa (> 1 mm), focal ou difusa, sem hemorragia intraventricular, chance de vasoespasmo sintomático de 33%
- Grau 4 – HSA espessa (> 1 mm), focal ou difusa, com hemorragia intraventricular, chance de vasoespasmo sintomático de 40%
2 – O escore Hunt e Hess descreve a gravidade clínica da HSA aneurismática, correlacionando-a ao prognóstico:
- Grau 1 – paciente assintomático ou com mínima cefaleia ou rigidez de nuca, chance de sobrevida de 70%
- Grau 2 – cefaleia moderada ou intensa, rigidez de nuca, sem déficits neurológicos focais exceto paralisia de nervo craniano, chance de sobrevida de 60%
- Grau 3 – sonolência, déficit neurológico mínimo, chance de sobrevida de 50%
- Grau 4 – confusão mental, hemiparesia moderada a grave, possível rigidez de decerebração precoce e distúrbios vegetativos, chance de sobrevida de 20%
- Grau 5 – coma profundo, rigidez de decerebração, paciente moribundo, chance de sobrevida de 10%
3 – A escala de Rankin modificada mede o grau de incapacidade ou dependência nas atividades diárias dos pacientes que sofreram um dano neurológico:
- Grau 0 – assintomático
- Grau 1 – nenhuma deficiência significativa apesar dos sintomas; capaz de realizar todas as tarefas e atividades habituais
- Grau 2 – pequena deficiência; incapaz de realizar todas as atividades anteriores, mas capaz de cuidar das próprias necessidades sem assistência
- Grau 3 – deficiência moderada; requer alguma ajuda, mas pode caminhar sem assistência
- Grau 4 – deficiência moderadamente grave; incapaz de andar e atender às necessidades corporais sem assistência
- Grau 5 – deficiência grave; acamado, incontinente e requer cuidados e atenção constantes de enfermagem
- Grau 6 – óbito
Uma vez revisados estes escalas e conceitos importantes, vamos propriamente ao resumo do artigo.
Introdução
A hemorragia subaracnoide não aneurismática (HSA-NA) é uma entidade clínico-radiológica que representa quase 15% dos casos de HSA em geral e usualmente tem prognóstico melhor que o da HSA aneurismática (HSA-A). No entanto, alguns casos desenvolvem complicações como hidrocefalia e/ou vasoespasmo, exigindo tratamento imediato.
A HSA-NA pode ser classificada em relação ao padrão de distribuição do sangramento em perimesencefálica (HSA-PM) ou difusa (HSA-D), e estudos recentes sugerem que esses subtipos diferentes de HSA-NA podem ter prognósticos diferentes.
O objetivo do artigo foi de verificar o valor preditivo positivo da escala de Fisher modificada e do padrão de sangramento para complicações neurológicas (hidrocefalia necessitando de drenagem ventricular e/ou vasoespasmo sintomático) em pacientes com HSA-NA.
Métodos
Foi realizada uma análise retrospectiva observacional do prontuário médico e dos exames de imagem de 116 pacientes admitidos num hospital terciário num intervalo de 8 anos (entre 2009 e 2017), diagnosticados com HSA-NA espontânea de padrão HSA-PM ou HSA-D pela TC sem contraste, com AngioTC inicial negativa e pelo menos uma angiografia digital em 24-48h descartando a presença de aneurismas ou outras malformações vasculares.
Resultados
Na população analisada, a idade média foi de 54 anos e 63% dos pacientes eram do sexo masculino. 51.7% dos pacientes tinham padrão de HSA-PM e 48.3% tinham padrão de HSA-D.
O escore Hunt e Hess na admissão era grave (de 3 a 5) em 18% dos pacientes, mais alto nos pacientes com HSA-D (p < 0.001).
A prevalência de hidrocefalia necessitando de derivação ventricular foi de 18% e a prevalência de vasoespasmo sintomático foi de 4%, ambos mais frequentes em pacientes com HSA-D (p < 0.001). Uma escala de Rankin modificada favorável (de 0 a 2) na alta hospitalar foi encontrada em 97% dos pacientes, superior nos pacientes com HSA-PM em relação aos com HSA-D (p = 0.02).
Foi realizada uma análise estatística com regressão logística multivariada para a presença de complicações neurológicas que considerou a idade, o sexo, a escala de Hunt e Hess (3-5 versus <3), a escala de Fisher modificada (4 versus <4), o padrão de HSA (perimesencefálica versus difusa) e a escala de Rankin modificada na alta hospitalar (0-2 versus >2). Os únicos preditores significativos encontrados foram a escala de Fisher modificada de 4 versus <4 (OR 4.47, IC 95% 1.21-16.66, p=0.03) e um padrão de HSA-D versus HSA-PM (OR 7.10, IC 95% 1.24-40.8, p=0,03).
Discussão e Conclusão
O artigo analisou a utilidade da escala de Fisher modificada e o padrão radiológico de HSA (PM ou D) para a avaliação clínica de 116 pacientes com HSA-NA.
Os resultados sugerem que ambas as ferramentas são úteis para a predição de complicações neurológicas (hidrocefalia necessitando de drenagem ventricular e/ou vasoespasmo sintomático), com relação estatisticamente significativa na HSA-NA para mFS de 4 e padrão de HSA-D.
Neste estudo, a complicação neurológica sintomática mais frequente foi hidrocefalia necessitando de derivação ventricular, significativamente mais importante em pacientes com HSA-D e mFS de 4 (p < 0.001), provavelmente devido ao maior volume de sangue encontrado no espaço subaracnoide nestes pacientes, determinando mecanismo obstrutivo.
Também é digna de nota a pobre correlação observada entre vasoespasmo sintomático e a mFS nos pacientes com HSA-NA, em concordância com publicações anteriores. A provável explicação é a origem teórica do sangramento na HSA-NA proveniente de estruturas venosas e, portanto, com baixa concentração de oxi-hemoglobina (fundamental na origem do vasoespasmo). Quantidades maiores de sangue em pacientes com HSA-D não mostraram diferenças significativas nas taxas de vasoespasmo quando comparadas com pacientes com HSA-PM.
Os resultados também apoiam a ideia que a HSA-D, apesar de ser uma HSA-NA, tem caráter mais agressivo que a HSA-PM, incorrendo em piores escores Hunt e Hess na admissão e piores escores de Rankin modificados na alta hospitalar, além de maiores taxas de hidrocefalia sintomática.
Limitações deste estudo incluem viés de seleção, devido aos dados terem sido coletados em um grande hospital terciário, e seu caráter retrospectivo. Estudos prospectivos adicionais são necessários para confirmar as conclusões descritas.