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Olá, neuroskyer! O assunto de hoje é a sarcoidose, uma doença autoimune rara, porém importante, que leva a uma inflamação granulomatosa dos tecidos afetados e que pode afetar significativamente o sistema nervoso central.
Na sarcoidose, qualquer tecido pode ser afetado, mais comumente os pulmões, a pele, os olhos e o fígado. O sistema linfático sempre está envolvido. Na apresentação inicial, 95% dos pacientes têm envolvimento pulmonar, enquanto 50% têm doença multissistêmica, prevalência que aumenta nos pacientes que não apresentam remissão espontânea da doença.
A neurossarcoidose ocorre em 5-10% dos pacientes com sarcoidose sistêmica, e tem incidência estimada de 2 para 100.000 na população geral. Pode afetar qualquer parte do sistema nervoso central, em qualquer intensidade. Ela participa do diagnóstico diferencial de doenças inflamatórias, infecciosas, neoplásicas e degenerativas, e pode ser muito difícil diagnosticá-la sem confirmação histológica. No entanto, o diagnóstico específico é importante, uma vez que novos tratamentos biológicos estão disponíveis e podem prevenir incapacidades permanentes.
A maioria dos pacientes (70%) dos pacientes têm uma forma leve a moderada da doença, representada por neuropatia craniana ou radiculopatias periféricas, enquanto 30% apresentam uma forma com inflamação grave do sistema nervoso central que requer tratamento mais agressivo.
Apresentação clínica
O início é classicamente subagudo, com sintomas constitucionais como mal-estar inespecífico, febre e sudorese noturna. A síndrome de Lofgren consiste na coexistência de febre, artrite dos tornozelos, eritema nodoso e linfadenopatia hilar (figura 1). A síndrome de Heerfordt inclui uveíte granulomatosa, edema das glândulas parótidas e sublinguais e neuropatia craniana (usualmente, mas não exclusivamente, do n. facial). O acometimento pulmonar pode ser caracterizado por tosse, falta de ar, opressão pulmonar ou dor em facada, mas é frequentemente assintomático. Qualquer estrutura ocular pode ser acometida, e envolvimento cutâneo, cardíaco, hepático, renal e articular é comum.
Cerca de 30% dos casos se resolvem em 2 anos (especialmente quando o acometimento é de apenas um sistema), 30% têm uma forma recorrente e 30% apresentam deterioração progressiva.

Epidemiologia
A incidência varia entre 0.85 a 24 casos por 100.000, sendo maior nos países nórdicos e em mulheres. A idade de início dos sintomas varia, sendo mais frequente entre 45 e 55 anos, com raros casos descritos com início em crianças e idosos. A mortalidade é maior do que na população geral, relacionada predominantemente ao acometimento pulmonar, cardíaco e neurológico, e ao risco aumentado de infecção. Estes pacientes também têm maior risco de tromboembolismo venoso, doenças cardiovasculares, hematológicas e câncer de pele, assim como de outras doenças autoimunes, como doenças tireoidianas, do tecido conectivo e esclerose múltipla.
Envolvimento neurológico
Relatos de acometimento neurológico na sarcoidose são conhecidos desde 1901. Cerca de 50% dos pacientes têm neuropatia craniana isolada, neuropatia periférica em 10% dos casos, acometimento muscular em 5% e lesões encefálicas e medulares em 16 a 70%.
– Neuropatia craniana
A neuropatia facial representa 70% dos casos, geralmente unilateral e na apresentação inicial. O líquor costuma ter alterações moderadas nas proteínas e células. A imagem é normal em metade dos casos e a outra metade apresenta realce do nervo acometido. A neuropatia óptica é comum, apresentando-se geralmente como neurite óptica subaguda idêntica à desmielinizante. Inflamação intraocular pode ser observada em 36% dos casos. Pode ainda haver perineurite óptica, com inflamação e realce da bainha do nervo, causando constrição do campo visual, edema de papila e dor. O envolvimento do quiasma óptico é associado a leptomeningite basal. Massas durais do ápice orbitário podem causar neuropatia óptica compressiva, com perda visual, perda sensitiva ou dor. Massas inflamatórias orbitarias, do ápice orbitário e do seio cavernoso podem causar diplopia, perda sensitiva e proptose, enquanto lesões do ângulo pontocerebelar e do conduto auditivo interno podem causar perda auditiva ou síndrome vestibular. Outras neuropatias cranianas são menos frequentes.

– Neuropatia periférica
A prevalência estimada de neuropatia periférica é de 5 a 14% dos casos, em geral não associada a doença neurológica central. Os sintomas são sensório-motores ou puramente sensitivos, e as investigações eletrofisiológicas demonstram comprometimento axonal predominante. Uma polirradiculoneuropatia desmielinizante aguda é rara e parece se associar ao início da doença sistêmica. Em particular, alguns pacientes apresentam uma queimação da parede torácica, e a radiculopatia torácica parece ser exclusiva da sarcoidose.
– Acometimento hipotálamo-hipofisário
O acometimento hipotálamo-hipofisário associa-se a diabetes insipidus, com sintomas endócrinos e polidipsia. A maioria dos pacientes se apresentam com pan-hipopituitarismo gradual, enquanto outros tem envolvimento endócrino como parte de uma leptomeningite crescente. Outras apresentações clínicas incluem cefaleia, neuropatias cranianas causando diplopia, perda sensitiva facial e sintomas visuais. A maioria dos pacientes não melhora com o tratamento apesar da regressão dos achados radiológicos, embora alguns se recuperem completamente.

– Paquimeningite
A inflamação dural pode ocorrer em qualquer local. Metade das vezes, apresenta-se como lesões com efeito expansivo determinando sintomas neurológicos focais, tais como convulsões. Na outra metade dos casos, a apresentação é disseminada e tipo en plaque. Os sintomas variam de acordo com a extensão do acometimento, sendo cefaleia comum, assim como diplopia, dor e alterações visuais em casos de acometimento do ápice orbitário e dos seios cavernosos. Após tratamento prolongado, o desfecho geralmente é bom.

– Leptomeningite
Na série Royal Free, 75% dos pacientes apresentaram achados de meningoencefalite invasiva e destrutiva, sendo dois terços com sinais de disfunção diencefálica e hidrocefalia, e um terço com envolvimento do tronco encefálico. As meninges basais são mais acometidas que a convexidade. O curso geralmente foi subagudo, mas rapidamente progressivo, com encefalopatia grave e sinais neurológicos. Em geral, os pacientes são mais comprometidos que aqueles com paquimeningite, e os dois processos não costumam coexistir. O líquor costuma ser alterado, com hiperproteinorraquia, aumento da contagem celular e baixa glicose.

– Acometimento vascular
A inflamação granulomatosa leptomeníngea estende-se ao parênquima subjacente e ocasionalmente as paredes das artérias de pequeno e médio calibre são invadidas por células epitelioides, com resposta inflamatória que leva a dano da lâmina elástica interna e fibrose, ocasionando oclusão ou estenose luminal. No entanto, infarto é relativamente raro, podendo ocorrer de forma aguda ou após vários acidentes isquêmicos transitórios (AITs). A terapia antiplaquetária não parece reduzir a frequência dos AITs, enquanto os corticosteroides sim. A imagem luminal pode ser normal, apresentar estenoses focais ou padrão moyamoya. Realce da parede vascular pode estar presente em mais de 50% dos casos com AVCi. Hemorragia intracraniana é rara.


Figura 9. Realce vascular na Neurossarcoidose.
– Acometimento medular e da cauda equina
O envolvimento encefálico e medular é comum tanto na forma leptomeníngea quanto paquimeníngea, mas doença medular ou da cauda equina isolada pode ocorrer. A maioria dos pacientes se apresenta com uma lesão de curso subagudo, com uma mielopatia cervical ou torácica longitudinalmente extensa e associada a realce leptomeníngeo. Lesões paquimeníngeas tendem a ser menores, mas compressivas. As lesões da cauda equina podem se apresentar com áreas de realce nodular de múltiplas raízes ou de apenas uma. Lesões medulares progressivas são incomuns.

– Neurossarcoidose isolada
Pode haver acometimento neurológico isolado, sem manifestações sistêmicas. Neste caso, os achados de imagem e líquor são semelhantes àqueles que também apresentam manifestações sistêmicas, exceto que apenas aqueles com neurossarcoidose isolada apresentam bandas oligoclonais não pareadas. Nestes casos, uma pesquisa extensa deve ser feita para descartar infecções ou tumores ocultos.
Imagem
A ressonância magnética é a modalidade de imagem mais importante, apresentando alterações em 35% dos pacientes com neuropatia craniana e em 100% dos pacientes com doença neurológica central. A administração de contraste é fundamental, pois realce anormal pode ser a única alteração detectável e apenas uma minoria dos pacientes não tem algum realce anormal, especialmente meníngeo e, em alguns pacientes, das paredes vasculares. Alguns pacientes com doença medular progressiva podem apresentar apenas atrofia. O PET-FDG pode ser útil em alguns casos em que não há alterações na RM.
Líquor
O líquor sempre está ativo em pacientes com neurossarcoidose não tratada. As alterações mais comuns são aumento das proteínas, linfocitose e redução da relação da glicose entre o líquor e o plasma. Pacientes com neuropatia craniana isolada tendem a ter líquor menos ativo. As bandas oligoclonais foram negativas no soro e no LCR em 73% dos pacientes da série apresentada, e as bandas eram pareadas em 23%. A presença de bandas pareadas se correlacionou ao teor proteico, denotando uma relação com a gravidade da doença. Bandas oligoclonais não pareadas ocorreram apenas nos poucos pacientes com envolvimento neurológico isolado.
Biomarcadores
No início da doença sistêmica, uma linfopenia periférica é frequente. Há ainda um padrão variável de citocinas e quimiocinas no soro. Também pode ser observada deficiência de IgG, aumento do cálcio sérico, hipercalciúria e aumento da enzima conversora de angiotensina, embora este achado não sirva para monitorizar a atividade da doença nem para definir progressão da doença pulmonar. Também pode haver aumento de amiloide sérico A1, lisozima, neopterina e quitotriosidase e KL-6 porém nenhum é específico para sarcoidose.
A relação CD4/CD8 pode estar aumentada no LCR e no lavado broncoalveolar em pacientes com neurossarcoidose, bem como as concentrações de IL-6 e IL-10.
Diagnóstico diferencial
É necessária análise histológica para o diagnóstico, especialmente considerando-se a disponibilidade de novas terapias biológicas. O diagnóstico diferencial é complexo e abrange doenças neoplásicas, infecciosas, outras doenças granulomatosas (incluindo vasculite primaria do sistema nervoso central e paquimeningite hipertrófica idiopática), bem como desordens linfocíticas (como CLIPPERS, astrocitopatia autoimune GFAP, complicações neurológicas de LES, Sjögren, artrite reumatoide, NMO-SD, doença associada a IgG-4), doenças histiocíticas (como histiocitoses Langerhans e não Langerhans como Erdheim-Chester e Rosai-Dorfman) e imunodeficiências. É importante frisar que pacientes com sarcoidose sistêmica têm uma prevalência aumentada de certas infecções neurológicas, em particular criptococo, listeria e leucoencefalopatia multifocal progressiva (LEMP); uma lesão cerebral na sarcoidose não reflete automaticamente a propagação da condição inflamatória para o sistema nervoso. Finalmente, como observado acima, os pacientes com sarcoidose correm maior risco de desenvolver outras doenças inflamatórias, incluindo a esclerose múltipla, sem dúvida devido à sua suscetibilidade genética para desenvolver outras doenças imunológicas.
Critérios diagnósticos
Há uma ampla lista de condições que podem simular as características clínicas e radiológicas da neurossarcoidose, e mesmo doenças neoplásicas e infecciosas podem desencadear reações granulomatosas. Desta forma, é difícil estabelecer critérios específicos e precisos para esta doença, restando a divisão em doença definitiva, provável e possível, apoiada nos resultados de biópsia.
Se quiser saber detalhes não descritos neste artigo, recomendamos que leia neste link aqui.
Tratamento e desfecho
O manejo correto da doença pode evitar déficits neurológicos permanentes. O pilar do tratamento das doenças granulomatosas é o uso de corticoides, que podem ser associados a agentes imunossupressores (tanto para poupar corticoides quanto para agir como modificadores de doença) e agentes biológicos. O tratamento pode durar até 5 anos, e a retirada precoce das drogas está associada a recorrência precoce. Detalhes podem ser encontrados no artigo original e no fluxograma abaixo.

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