Olá neuroskyers, aqui quem fala é Vanessa Mendes Coelho e hoje no SkycastPremium vamos fazer uma breve revisão sobre as fistulas arteriovenosas durais espinhais. Um diagnóstico que deve ser reconhecido nos exames de imagem.
A fístula arteriovenosa dural espinhal (FAVDe) é a malformação vascular espinhal mais comum, porém ainda é rara e frequentemente mal ou subdiagnosticada. Nos estágios iniciais, os sintomas clínicos podem ser inespecíficos e é frequentemente diagnosticada inicialmente como polineuropatia sensorial, polineuropatia desmielinizante inflamatória aguda ou crônica, atrofia muscular espinhal ou tumor medular. Muitos pacientes chegam a ser submetidos à cirurgia de hérnia de disco lombar sem melhora evidente do quadro clínico. Se não tratada, a doença pode evoluir para uma morbidade grave e causar deficiência irreversível.
Devido a sintomas inespecíficos, o neurorradiologista é frequentemente o primeiro clínico a fazer o diagnóstico inicial com base na RM. Além disso, a angiografia espinhal é o padrão-ouro e deve ser levada em consideração quando houver suspeita de FAVDe.
APRESENTAÇÃO CLINICA
O curso clínico da FAVDe é lento e progressivo. Inicialmente, os sintomas podem ser inespecíficos, como formigamento, fraqueza, distúrbio da marcha, parestesia e perda sensorial difusa ou irregular. A dor nas costas sem distribuição radicular específica geralmente ocorre com sensação de queimação. Esses déficits neurológicos progridem e pioram com o tempo. A deterioração aguda às vezes se apresenta após a realização de exercício, ficar de pé por tempo prolongado, mudar de posição e até cantar e comer, que pode ser aliviada após o repouso e simular a síndrome da artéria espinhal anterior.
A hemorragia intraespinhal é muito rara, porém um relato de caso único descreveu um paciente com FAVDe em L4 com hemorragia subaracnóidea espinhal. Pacientes com fístula arteriovenosa dural na junção craniocervical podem apresentar cefaleia aguda devido à hemorragia subaracnóidea intracraniana. Para a maioria dos pacientes, leva em média de 10 a 15 meses para que o diagnóstico seja feito, e ao diagnóstico, incontinência intestinal e vesical, disfunção erétil e retenção urinária são quase sempre observadas.
FISIOPATOLOGIA
Tipicamente, uma (às vezes, múltipla) artéria de alimentação de uma artéria radiculopial ou um ramo dural de uma artéria radiculopial entra em uma veia intervertebral ou radicular e forma uma FAVDe dentro da superfície dorsal da raiz dural no forame intervertebral.
A artéria de alimentação ‘arterializa’ a veia intervertebral, destrói o gradiente arteriovenoso e aumenta a pressão venosa, resultando em espessamento da parede e tortuosidade das veias radiais (também conhecidas como veias intramedulares), uma vez que as veias intervertebral e radial compartilham um fluxo venoso comum.
Subsequentemente, a hipertensão venosa crônica e a estagnação diminuem a perfusão tecidual e levam ao edema da medula espinhal e à mielopatia progressiva. Isso pode explicar por que os sintomas às vezes pioram após exercícios ou atividades físicas. O plexo venoso perimedular recebe sangue das veias radiais drenando a circulação intramedular da medula espinhal dorsalmente em 80-90% dos casos. A pressão venosa acumulada pode ser transmitida através do plexo venoso perimedular na direção caudocranial ao longo da medula espinhal. A extensão também pode ser ventral e superior para a região cervical ou seios durais intracranianos.
As veias radiculares na região torácica inferior e lombar são em menor número e de menor calibre, enquanto a drenagem venosa na região cervical é divergente e não convergente. Portanto, a medula espinhal torácica inferior e lombar são mais vulneráveis às alterações hemodinâmicas, e os sintomas iniciais geralmente refletem disfunção da parte inferior da medula espinhal, ou seja, o cone medular. A FAVDe cervical é rara e apresenta hemorragia com mais frequência do que as toracolombares, possivelmente devido a uma maior taxa de fluxo sanguíneo. Está frequentemente localizada no nível cervical superior com alimentação arterial dos vasos do lado direito, particularmente da artéria vertebral, e frequentemente em associação com lesões vasculares coincidentes complexas.
Estudos anteriores demonstraram estreitamento das veias intervertebrais no ponto que cruza a dura-máter. Ela perde sua parede vascular que é substituída por um manguito aracnóide pela dura-máter, apresentando-se em ziguezague ao sair da dura-máter. Hipotetizou-se que a forma em ziguezague e o estreitamento da veia intervertebral impedem que o fluxo sanguíneo volte para o espaço intradural, permitindo apenas o fluxo sanguíneo em direção fisiológica. De acordo com essa observação, o “sistema protetor anti-flow back” pode ser danificado nos casos de FAVDe por fatores congênitos ou adquiridos.
No entanto, os pacientes com FAVDe podem ser assintomáticos, apesar do “sistema anti-fluxo de retorno” danificado devido ao fluxo venoso alternado nas veias perimedulares ascendentes, que se abrem para o plexo venoso paravertebral externo através da região cervical superior. A idade média dos pacientes com FAVDe assintomática é cerca de 10 anos mais jovem do que a dos pacientes com FAVDe sintomática.
DIAGNÓSTICO
A mielografia pode ser usada como exame de triagem antes da angiografia espinhal. Os achados típicos incluem a presença de vasos proeminentes que se estendem por uma média de oito níveis, bem como o contorno da cauda equina. A angiotomografia computadorizada também é considerada um método eficiente de localização por sua alta resolução e alto contraste, reduzindo o tempo necessário para a angiografia.
No entanto, as técnicas de ressonância magnética (RM) e angiografia por cateter são importantes na confirmação do diagnóstico quando há suspeita clínica de mielopatia progressiva.
O edema medular é mais claramente mostrado como hiperintensidade com preservação periférica em imagens ponderadas em T2. Pode estender-se em média de 5 a 7 vértebras, com envolvimento do cone em mais de 80% dos casos. Uma veia intervertebral serpentina e dilatada ou plexo venoso perimedular ingurgitado com “flow voids” são outra característica marcante nas imagens ponderadas em T2. No entanto, se as veias arterializadas forem muito pequenas para serem visualizadas, o realce do contraste pode desempenhar um papel fundamental no diagnóstico.
A angiografia por RM pode ser útil na identificação dos possíveis alimentadores arteriais e evitar injeções superseletivas desnecessárias de todos os alimentadores arteriais possíveis em mais de dois terços dos pacientes. Com uma ressonância magnética negativa e sem achados semelhantes ao de FAVDe na angiografia por RM.
A angiografia por cateter espinhal, padrão-ouro no diagnóstico de FAVDe, deve ser considerada se houver alta suspeita de FAVDe devido à sua sensibilidade superior em comparação com a angio-RM. Em última análise, é uma doença tratável e morbidade grave pode ser evitada. As localizações mais frequentes são a porção inferior da coluna torácica e a porção superior da coluna lombar e 70% das FAVDe estão localizadas no lado esquerdo. A artéria potencial de alimentação pode ser tão cranial quanto os vasos intracranianos e tão caudal quanto a artéria sacral lateral ou a artéria hipogástrica inferior.
IMITADORES DE FAVDe NA RM
Edema medular e plexo venoso perimedular proeminente são duas características principais de uma FAVDe na ressonância magnética. Em termos de edema da medula espinhal, a hiperintensidade central nas imagens ponderadas em T2 assemelha-se a achados de infarto da artéria espinhal anterior, mielite, neoplasias da medula espinhal ou um canal central persistente em forma de fenda. Em comparação, o edema da medula espinhal devido a uma FAVDe é geralmente homogêneo com uma margem afilada e se estende por uma média de 5-7 vértebras com envolvimento do cone.
Os diagnósticos diferenciais para o plexo venoso perimedular proeminente incluem os “flow voids” nas imagens ponderadas em T2 causados por estenose grave do canal espinhal e fístulas arteriovenosas extradurais espinhais (SEAVF) e artefatos causados por fluxo turbulento do líquido cefalorraquidiano (LCR).
TRATAMENTO
O fechamento espontâneo de uma FAVDe sem tratamento é extremamente raro. O tratamento é essencial porque se não tratada pode evoluir para morbidade grave e causar deficiência irreversível. As opções de tratamento para esses ccasos incluem embolização endovascular e ligadura cirúrgica da fístula, sendo que a a embolização endovascular é menos invasiva.
CONCLUSÃO
A fístula arteriovenosa dural espinhal é rara, mas frequentemente subdiagnosticada, uma vez que as apresentações clínicas se assemelham a outras causas mais comuns de mielopatia. A doença é tratável, mas pode evoluir para morbidade grave e danos irreversíveis. Ou seja, quanto mais precoce o diagnóstico, melhor o resultado. A RM e a angiografia espinhal devem ser consideradas sob alta suspeita clínica. Posteriormente, deve ser realizada embolização endovascular imediata ou ligadura cirúrgica de acordo com as condições do paciente e características da fístula. O conhecimento aprofundado pode permitir que clínicos e neurorradiologistas diagnostiquem a doença nos estágios iniciais.