Olá Neuroskyers! Dando continuidade aos skycasts voltados para Neurovascular e Neurointervenção, trago hoje um artigo de Anatomia da artéria meningea média. É um conteúdo importante como base para entender doenças que envolve a dura mater, como hematoma subdural, meningeoma, fistulas arteriovenosas durais, entre outros. No final do texto vou deixar os conteúdos da Neurosky já publicados relacionados a este tema caso queiram complementar o assunto.
Bom proveito a todos!
ARTÉRIA MENINGEA MÉDIA: ANATOMIA E VARIAÇÕES
A artéria meningea media (MMA) é um dos maiores ramos da carótida externa, e é a artéria dural mais importante pois ela supri mais de 2/3 da dura cranial. Além disso, um dos seus aspectos mais importantes é o seu desenvolvimento embriológico e numerosas variações anatômicas. O Objetivo deste artigo é resumir estes aspectos por uma revisão baseada na literatura com exemplos clínicos das suas possíveis variações. Este conhecimento é importante para neurorradiologistas que irão tratar suas patologias detalhadas, assim como para cirurgiões que abordam patologias do ouvido médio.
Origem da artéria
Em praticamente todos os casos a MMA se origina da artéria maxilar interna (IMA), mas também pode se originar da artéria carótida interna, ou mais impressionante da artéria basilar (tabela 1- no fim do texto)
Origem da IMA. A descrição clássica da origem da MMA é normalmente descrita como no primeiro segmento da IMA, na fossa infratemporal, logo atras do processo condilar da mandíbula. A MMA é primeiro e maior ramo ascendente da IMA, mas pode ter a origem em tronco comum com a artéria meningea acessória, dependendo da posição da IMA em relação ao músculo pterigoide externo. Quando a IMA passa superficial ao músculo, a meningea acessória e MMA possuem origem em um tronco comum, e as artérias dental inferior e temporal posterior profunda as origens separadas. Ao contrário, quando a IMA passa profundamente ao músculo pterigoide externo, a meningea acessória e MMA possuem origens distintas e as artérias dental inferior e temporal posterior profunda dividem um tronco comum.
Origem da artéria basilar. Altmann foi o primeiro investigador a descrever origem da MMA na artéria basilar, sua publicação inicial, <10 casos foram descritos. Normalmente, a MMA se origina do terço distal da basilar entre a artéria cerebelar superior e a AICA. Segue anteriormente ao longo do nervo trigêmeo para atingir a região gasseriana, onde se anastomosa com o ramo petroso da MMA. Em geral, somente o ramo posterior se origina da basilar, e o frontal tem origem normal da IMA. Existem duas explicações embriologicas, Seeg, Hemmer e Lasjaunias et al explicaram por uma anastomose na região do gânglio de gases entre o remanescente basilar da artéria trigeminal e persistência da artéria estapedial (SA). Conseqüentemente, após a regressão do tronco proximal da SA ao nível do estribo, a MMA tem sua origem na artéria basilar. Outros investigadores postularam que uma artéria pontina aumentada se desenvolve durante o período embrionário e se anastomose com SA (figura 1).
Origem da artéria oftálmica. A MMA pode se originar da artéria oftálmica (OA), com incidência estimada e 0.5%. Essa anomalia vascular é considerada como consequência de 2 tipos de processo embriologicos. O primeiro é a falha de regressão do ramo supraorbital. O segundo é ausência de anastomose entre o ramo maxilomandibular da artéria estapedial. Maiuri et al propos 3 tipos diferentes desta variação (tabela 2 e fig 2).
Origem da carótida interna cavernosa. O único caso da MMA com origem na carótida cavernosa foi publicada por Lasjaunias et al. Nesta variação todos os ramos da MMA são preenchidos quando se faz a injeção de constraste pela ICA, e observa-se a origem na porção horizontal do segmento cavernoso. A explicação é a anastomose no período embrionário do ramo posterior do tronco inferolateral com a artéria estapedial, consequentemente a MMA não é formada, e o forame espinhoso é ausente.
Origem da carótida interna petrosa (completa ou persistência parcial da SA). Esta é uma variação muito rara, com 2 casos publicados, um no contexto de aneurisma de ICA e outro de PHACE síndrome (posterior fossa malformations, hemangioma, arterial anomalies, coarctation of the aorta/ cardiac defects, and eye abnormalities). Nesses casos, a SA mantém sua origem embrionária da ICA petrosa, passa pelo ouvido e emite 2 ramos: um intracraniano, que corresponde à MMA, e outro extracraniano, que sai da cavidade craniana através do forame espinhoso. Conseqüentemente, o forame espinhoso é aumentado, o promontório coclear é erodido e a IMA surge da SA em vez da artéria carótida externa.
Origem Pseudopetrosa do ICA (Persistência do SA Associado ao Fluxo Aberrante da ICA). Em casos raros, a persistência da SA e a consequente origem da MMA da ACI petrosa estão associadas a um curso intratimpânico da ACI (também conhecido como “fluxo aberrante da ACI”).7 O trajeto intratimpânico da ACI é explicado pela agenesia dos 2 primeiros segmentos da artéria carótida primitiva, com uma artéria timpânica inferior hipertrofiada que mantém a anastomose entre a artéria faríngea ascendente e a artéria caróticotimpanica na cavidade timpânica. Portanto, os segmentos cervical e intratimpânico dessa artéria não derivam do sistema carotídeo, mas sim dos sistemas faringoccipital e hioestapedial (pseudo-ICA).
Origem da ACI cervical (Artéria faringotímpanoestapedial). A MMA também pode surgir do segmento cervical da ACI. Essa variante muito rara foi descrita pela primeira vez por Lasjaunias e cols. em sua publicação original. e apenas 1 caso semelhante foi publicado por Baltsavias et al. A MMA surge da porção cervical da ICA , ascende ao longo da mesma , entra na cavidade timpânica através do canal timpânico inferior, e segue o curso usual da SA.
Origem da Artéria Occipital. Diamond descreveu um caso notável de SA parcial persistente encontrado durante uma dissecção de osso temporal. A peculiaridade deste caso foi que a SA surgiu da artéria occipital em vez da ICA petrosa passando por um “forame especial” para entrar na parte petrosa do osso temporal entre o processo estilóide e o canal carotídeo. Após passar pela parede posterior da cavidade timpânica e pelo estribo, o SA enta no canal facial para atingir o ápice petroso e dar origem aos futuros ramos da MMA.
Curso da artéria
O primeiro segmento extracraniano da MMA é de sua origem até entrada no forame espinhoso. No nível do forame espinhoso a artéria se curva anterior e lateral para seguir a fossa temporal. Essa curva é responsável pelo aspecto característico da MMA na angiografia cerebral. Após sua entrada na cavidade craniana, o MMA apresenta um trajeto lateral sulcando a asa maior do esfenóide. Merland e cols, descreveram 3 segmentos intracranianos da MMA. O primeiro é o segmento temporobasal, onde a artéria segue a fossa temporal e se curva para cima, onde se torna o segundo ou segmento temporopterional. Após passar pela região pterional, a artéria entra em seu segmento coronal onde a artéria segue a sutura coronal até terminar na região do bregma. Martins e cols consideraram o trajeto da artéria mais curto e simples. Eles descreveram a terminação da MMA, onde ela se divide em divisões anterior e posterior na região pterional. A divisão anterior da MMA é classicamente o segmento coronal descrito anteriormente
Ramos da artéria (fig.3)
A MMA se divide, na região pterional, em 2 divisões: anterior e posterior. Antes de sua bifurcação, o MMA dá 2 ramos que suprem a dura-máter da fossa temporal. O primeiro é o ramo petroso, que cursa no ápice petroso e supre a dura-máter desta região (incluindo o gânglio de Gasser) e também a parte superior da cavidade timpânica através da artéria timpânica superior passando pelo canal facial. O segundo ramo basal do MMA é o ramo cavernoso, que supre a parede lateral do seio cavernoso e se anastomosa com ramos do tronco ínferolateral. A divisão anterior da AMM está na dura-máter da convexidade e segue a sutura coronal até o bregma. Essa divisão anterior da MMA possui 2 tipos de ramos terminais: 1) artérias falcinas, que se anastomosam com ramos da artéria falcina anterior, e 2) ramos contralaterais, que cruzam a linha média para anastomosar-se com ramos da MMA contralateral. Próximo à região pterional, a divisão anterior dá um ramo medial que corre sob a asa menor do esfenoide e supre a dura-máter da parte anterior da fossa temporal, a fissura orbital superior, podendo anastomosar-se com os ramos meníngeos recorrentes da OA. A divisão posterior da MMA também supre a dura-máter da convexidade e dá 2 ramos principais: o ramo petrosquamosal e o ramo parieto-occipital. Esses 2 ramos participam da vascularização da dura parieto-temporo-occipital, dos seios transversos e também dos dois terços posteriores do tentório. Ramos da divisão posterior da MMA anastomosam-se com ramos durais das artérias occipital, faringea ascendente e vertebral.
Território Dural
A MMA supre a maior parte da dura-máter da convexidade craniana por meio de suas divisões anterior e posterior e geralmente participa da vascularização da metade superficial da foice cerebral. A dura frontomedial e a dura occipitomedial, ao contrário, geralmente são supridas pela artéria meníngea anterior da OA e pela artéria meníngea posterior da artéria vertebral, respectivamente. O território dural supratentorial da convexidade está em equilíbrio entre essas 3 artérias; portanto, o território da MMA pode ser variável. A dura-máter do seio sagital superior também é suprida por ramos da MMA, mas também ramos da artéria meníngea anterior e ramos da artéria meníngea posterior A MMA também poderia suprir a região torcular por meio de sua divisão posterior.
Na base do crânio, supre a fossa craniana média, a parte lateral da fossa craniana anterior e também a parte inferior da parede lateral do seio cavernoso através de seu ramo cavernoso. Sua participação na vascularização do tentório é limitada à inserção do tentório e ao seio sagital superior. A divisão anterior do MMA através de seu ramo medial supre a dura-máter da asa menor do esfenoide e a região da fissura orbital superior . Esses ramos também participam da vascularização da parede lateral da periórbita e podem também participar da vascularização de ramos orbitários por anastomoses com a artéria lacrimal (através da artéria meníngea profunda recorrente da OA). Por meio de sua divisão posterior, a MMA também dá ramos destinados à dura-máter da parte superolateral da fossa cerebelar. Moret e cols mostraram a importância do MMA na vascularização da dura-máter da fossa posterior, sempre em equilíbrio com ramos das artérias faríngea ascendente e occipital. A MMA também supre parcialmente os nervos trigêmeo e facial.De fato, o ramo petroso dá ramos ao gânglio de Gasser e às divisões maxilar e mandibular do nervo trigêmeo em sua porção cavernosa. O nervo petroso superficial maior e o gânglio geniculado do nervo facial também recebem ramos do ramo petroso da MMA.
Possíveis anastomoses
O território vascular dural da MMA está em equilíbrio entre inúmeras artérias provenientes da ICA, artéria carótida externa e também do sistema vertebrobasilar. Portanto, a MMA apresenta muitas anastomoses com ramos provenientes de outras artérias. As 3 principais regiões anatômicas das anastomoses vasculares são as seguintes: a região peri e cavernosa, a região frontomedial e a fossa posterior (Fig. 4).Na base do crânio, seu ramo petroso se anastomosa com a artéria meníngea acessória, a artéria faríngea ascendente (via seu ramo carotídeo), o tronco ínferolateral, o tronco meningo-hipofisário e a artéria meníngea recorrente da OA. Na região frontal, a divisão anterior da MMA anastomosa-se principalmente com os ramos durais da OA: as artérias etmoidais anterior e posterior e também a artéria falcina anterior. Na fossa posterior, ela se anastomosa, principalmente com a artéria meníngea posterior e com o ramo mastóideo da artéria occipital. A última anastomose natural a ser observada é entre as MMAs de ambos os lados na linha média.
Implicações clínicas
Hematomas Subdurais Crônicos. Durante os últimos 5 anos, o MMA tem sido de interesse de neurorradiologistas e neurocirurgiões no tratamento de hematomas subdurais crônicos recorrentes. Principalmente em pacientes >65 anos, em uso de anticoagulante e antiplaquetário e com traumatismo cranioencefálico leve pode causar hematoma subdural crônico.O tratamento tradicional consiste em evacuações por orifícios de trepanação, com alta taxa de recorrência (2–37%). Essa tendência é atribuída à resposta inflamatória causada pelo sangue residual, que causa a formação de membranas ao redor do hematoma. As membranas também são estimuladas por fatores angiogênicos à neoangiogênese, o que resulta na formação de microcapilares frágeis, com alto risco de sangramento recorrente. Nesse contexto, alguns pesquisadores, por exemplo, Link et al, propuseram o manejo do hematoma subdural crônico recorrente por meio da embolização endovascular de MMA. O MMA representa o principal suprimento sanguíneo das membranas sangrantes; assim, sua oclusão permite que a coleção seja reabsorvida. Esses investigadores descreveram uma taxa de recorrência semelhante à evacuação cirúrgica, mas com um procedimento menos invasivo. Assim, essa técnica poderia representar uma opção de tratamento alternativo, especialmente para pacientes idosos com hematoma subdural crônico recorrente.
Tumores Meníngeos. Os meningiomas são os tumores intracranianos benignos mais comuns, localizados principalmente na calota craniana ou na base do crânio. Como a MMA é a principal artéria dural, a maioria dos meningiomas cranianos recebe seu suprimento. A cirurgia representa o tratamento de primeira linha para meningiomas sintomáticos, mas embolização pré-operatória pode ser usada para reduzir o suprimento sanguíneo do meningioma para limitar a perda de sangue durante a ressecção. Os meningiomas, dependendo de sua localização, podem ser supridos por ramos durais da ACI, ramos durais da artéria carótida externa ou uma combinação destes. Richter e Schachenmayr classificaram os meningiomas em 4 tipos, dependendo de seu suprimento vascular: tipo I, com vascularização exclusiva da artéria carótida externa; tipo II, com suprimento misto ACI– artéria carótida externa com prevalência de artéria carótida externa; tipo III, com oferta mista com prevalência de ACI; e tipo IV, com fornecimento exclusivo de ICA. A embolização de MMA deve ser reservada para meningiomas tipo I ou II da classificação de Richter, com blush típico de DSA, para fossa média do crânio e casos seletivos de lesões de fossa craniana anterior. Durante o procedimento, o neurorradiologista deve tenha em mente as possíveis anastomoses entre os ramos MMA e ICA para evitar complicações. Após a embolização do MMA, a cirurgia pode ser realizada com tempo muito variável (de 0 a 30 dias após o procedimento).
Fistula arteiro-venosa (FAV) Dural. A principal patologia dural tratada pelos neurorradiologistas é a FAV dural. A embolização transarterial por MMA tem sido descrita como uma opção bem-sucedida para FAV dural tratamento. Segundo Griessenauer et al, uma oferta robusta de MMA é o melhor preditor de embolização bem-sucedida. Outros fatores que tornam a MMA uma via favorável para a realização de embolização transarterial são seu longo trajeto reto, que facilita a penetração do Onyx, (Covidien) seu diâmetro bastante grande, que permite a introdução de cateteres, e seu grande território dural, que muitas vezes atinge FAVs durais em vários locais.
Lista de conteúdo para complementar os estudos
- Skycast 68: Fístulas arteriovenosas durais na trombose venosa cerebral. (https://neurosky.med.br/premium/fistulas-arteriovenosas-durais-na-trombose-venosa-cerebral/)
- Skycast 86: Os mistérios da base do crânio – parte 1. (https://neurosky.med.br/premium/os-misterios-da-base-do-cranio-parte-1/)
- Skycast 88: Os mistérios da base do crânio – parte 2. (https://neurosky.med.br/premium/os-misterios-da-base-do-cranio-parte-2/)
- Skyclassic 4: Fístula arteriovenosa (FAV) dural. (https://neurosky.med.br/skyclassic/fav-dural/)
Obrigado! Até mais!
Davi Haddad.