Olá a todos! Aqui quem fala é Vanessa Mendes Coelho e no SkycastPremium de hoje vamos sintetizar esse artigo recentemente publicado na AJNR, que aborda os simuladores do acidente vascular cerebral agudo a partir da Tomografia Computadorizada (TC) multimodal.
O manejo clínico do AVC isquêmico requer uma rápida decisão e fluxo de trabalho eficaz no diagnóstico para encaminhar os pacientes para revascularização precoce.
Um dos desafios no diagnóstico de AVC isquêmico está relacionado à presença de condições mimetizadoras de AVC (stroke mimics), que são distúrbios não isquêmicos com apresentações clínicas semelhantes às do AVC.
Esses distúrbios incluem crises convulsivas, infecções sistêmicas, tumores cerebrais, condições tóxico-metabólicas, vertigem posicional, síncope, enxaqueca, amnésia global transitória, demência, doença desmielinizante, distúrbio conversivos, dentre outros.
A prevalência de simulações de AVC foi relatada em até 31% dos pacientes com suspeita de AVC agudo encaminhados ao departamento de emergência. Embora as complicações do tratamento com rtPA IV em stroke mimics sejam raras, um diagnóstico preciso é desejável para evitar tratamento desnecessário e possíveis complicações.
Exames de imagem são essenciais para o tratamento de pacientes nesse cenário. A ressonância magnética com imagem ponderada em difusão é a técnica mais sensível para diagnosticar AVC isquêmico. No entanto, a ressonância magnética não está disponível rotineiramente no cenário de emergência; portanto, a tomografia computadorizada (TC) continua sendo o primeiro método de imagem de escolha na maioria dos centros. A TC sem contraste (TCSC) descarta de forma confiável a hemorragia cerebral, mas sua sensibilidade para identificar os primeiros sinais de isquemia cerebral é baixa nas primeiras 6 horas, a partir do início dos sintomas.
As técnicas complementares de TC acrescentam mais informações sobre a presença, extensão e patogênese do AVC isquêmico. A Angiotomografia computadorizada (CTA) permite avaliar o estado dos vasos cerebrais e cervicais e identificar oclusão arterial proximal. A perfusão por tomografia computadorizada (CTP) identifica prontamente as áreas do cérebro hipoperfundido e permite estimar a presença de um núcleo isquêmico, além de penumbra isquêmica.
Uma abordagem de TC multimodal, incluindo TCSC, CTA e CTP, é usada em muitos centros para o diagnóstico de AVC agudo, embora o uso de perfusão não seja exigido por diretrizes nas primeiras 6 horas a partir do início do AVC.
Embora a TC multimodal tenha sido relatada como capaz de distinguir alguns stroke mimics, como convulsões, enxaqueca, lesões que ocupam espaço, infecções, condições tóxico-metabólicas e outros, existem poucos estudos sistemáticos sobre o desempenho diagnóstico da TC multimodal no diagnóstico de stroke mimics, com a maioria dos estudos focando o desempenho diagnóstico da CTP.
Neste estudo, o objetivo dos autores foi avaliar o desempenho diagnóstico geral da TC multimodal para o diagnóstico de stroke mimics.
MATERIAIS E MÉTODOS
Este é um estudo retrospectivo baseado em um único centro médico com uma unidade abrangente de AVC que oferece internação 24 horas por dia, 7 dias por semana para pacientes com AVC agudo, diagnósticos clínicos e de imagem e tratamento sistêmico e endovascular.
Os pacientes foram submetidos a TC multimodal no cenário agudo por suspeita de AVC agudo em um período de 24 meses.
Os critérios de exclusão foram: acidente vascular cerebral hemorrágico; TC multimodal incompleta (ou seja, falta de ≥1 componente do protocolo de imagem); exames considerados de qualidade não diagnóstica, cooperação insuficiente do paciente ou outros problemas técnicos; e falta de pelo menos 1 acompanhamento por imagem (TC ou RM) necessário para confirmar ou descartar uma lesão isquêmica cerebral aguda.
Triagem clinica
Nesse centro do estudo, os pacientes com suspeita clínica de AVC isquêmico agudo são imediatamente encaminhados para um protocolo de imagem multimodal de AVC após avaliação clínica por um neurologista, incluindo avaliação do NIHSS.
TC multimodal na admissão
A imagem multimodal do AVC inclui a realização de TCSC do crânio, seguido pela CTP. Após, realizam a CTA com dupla energia do arco aórtico ao vértice, com contraste em bolus, colocando a ROI de monitoramento de densidade na aorta ascendente com um limiar de disparo de 100 HU. A TC com contraste (TCCC) foi adquirida 4 minutos após a primeira injeção de meio de contraste, quando necessário.
O pós-processamento, exames de acompanhamento e protocolos de alta, além das análises estatísticas estão pormenorizados no texto original, disponível na integra abaixo.
RESULTADOS
401 pacientes preencheram os critérios.
Os resultados da TC multimodal na admissão foram categorizados como diagnóstico de AVCi ( n = 219), diagnóstico de stroke mimics ( n = 23) e negativo para AVCi e stroke mimics ( n = 159).
O diagnóstico clínico final foi dicotomizado em diagnósticos de AVCi ( n = 312) e stroke mimics ( n = 89). Os AVCs isquêmicos foram subdivididos em diagnósticos de AVC ( n = 273) e AIT ( n = 39).
A prevalência de stroke mimics na população do presente estudo foi de 22%, incluindo convulsões ( n = 31, 34,8%), enxaqueca com aura ( n = 11, 12,4%), transtornos conversivos ( n = 11, 12,4%), infecção ( n = 7, 7,9%), tumor cerebral ( n = 7, 7,9%), desordens metabólicas agudas ( n = 6, 6,7%), vertigem ( n = 5, 5,6%), síncope ( n = 5, 5,6%), amnésia global transitória ( n = 3, 3,4%), hematoma subdural ( n = 1, 1,1%), hematoma epidural cervical ( n = 1, 1,1%) e FAV dural ( n = 1, 1,1%).
Mais especificamente, as infecções incluíram 1 encefalite viral indeterminada e 6 infecções sistêmicas; os tumores cerebrais eram todos tumores gliais; e as causas metabólicas incluíram 2 casos de encefalopatia hepática, 2 casos de encefalopatia relacionada a medicamentos, 1 caso de hiponatremia e 1 caso de hipoglicemia.
A sensibilidade, especificidade e acurácia da TC multimodal para o diagnóstico de stroke mimics foi de 24,7%, 99,7% e 83%, respectivamente.
A TC multimodal revelou alterações peri-ictais em 13/31 convulsões, 7/7 tumores cerebrais, 1/1 de AVF dural e 1/1 hematoma subdural, embora não tenha revelado achados anormais relevantes em 18/31 convulsões, nas enxaquecas com aura, nos distúrbios conversivos, nas infecções, nos casos de vertigem periférica, nas condições metabólicas, nos casos de síncope, nos casos de amnésia global transitória e no hematoma cervical epidural.
A especificidade da TC multimodal para o diagnóstico de hematoma cervical epidural neste estudo foi alta: apenas 2/85 hematomas cervicais epidurais foram diagnosticados como acidente vascular cerebral, e apenas 1/327 AVCi foi diagnosticado erroneamente como um simulador de acidente vascular cerebral na TC multimodal.
Um padrão de hiperperfusão (aumento do CBV e CBF ± redução do MTT / Tmax) foi observado em 7/13 pacientes com crises convulsivas e 6/7 tumores, enquanto 6/13 convulsões e 1/7 tumores mostraram um padrão de hipoperfusão ( MTT / Tmax aumentado ± CBV e CBF reduzidos). Enquanto CT + CTA mostraram resultados positivos em 41% dos stroke mimics detectados, a perfusão CT isolada mostrou resultados positivos em 95,5% deles.
DISCUSSÃO
Neste estudo, o objetivo foi examinar o desempenho geral da TC multimodal para o diagnóstico de stroke mimics no contexto de suspeita clínica de AVC isquêmico agudo, demonstrando baixa sensibilidade, mas alta especificidade com altos valores preditivos positivos e valores preditivos negativos razoavelmente altos.
Até agora, na literatura, o desempenho da CTP foi avaliado principalmente em relação ao stroke mimics relacionado a crises convulsivas.
Na população deste artigo, como em estudos anteriores, a convulsão foi o mimetizador de AVC mais comum. Os autores foram capazes de reconhecer 13/31 (42%) das convulsões com base em anormalidades de perfusão na TC multimodal, com um padrão de hiperperfusão em 7/13 (54%) e um padrão de hipoperfusão em 6/13 (46%).
Van Cauwenberge e cols. relataram que a CTP pode diferenciar de forma confiável o AVC isquêmico agudo da convulsão ictal, caracterizada por hipoperfusão cortico-subcortical e hiperperfusão cortical. Por outro lado, eles mostraram que os achados da CTP podem se sobrepor ao AVC isquêmico agudo e na convulsão pós-ictal, ambos caracterizados por hipoperfusão cortico-subcortical, embora a hipoperfusão relacionada à convulsão tipicamente siga uma distribuição não vascular.
No presente estudo, a especificidade da TC multimodal para o diagnóstico de stroke mimics foi alta: apenas 2/85 simuladores de AVC foram diagnosticados como acidente vascular cerebral, e apenas 1/327 AVCi foi diagnosticado erroneamente como um simulador de acidente vascular cerebral; 2 de 3 desses diagnósticos errados foram relacionados a uma interpretação incorreta dos achados de hipoperfusão, com uma convulsão pós-ictal erroneamente interpretada como um acidente vascular cerebral e vice-versa.
Todos os tumores cerebrais presentes nessa coorte foram detectados pela TC multimodal. Os achados anormais foram visíveis na TCSC e TCCC devido à presença de efeito de massa, edema vasogênico e / ou realce pelo contraste. A CTP mostrou hiperperfusão em 6/7 (86%) e hipoperfusão em 1/7 (14%) dos tumores cerebrais. As anormalidades da perfusão em tumores cerebrais podem estar relacionadas à natureza da lesão, com hiperperfusão típica em gliomas de alto grau.
Nenhum dos pacientes com enxaqueca e aura apresentou achados na TC multimodal reconhecíveis, embora anormalidades de perfusão tenham sido descritas na enxaqueca, principalmente em estudos de imagens de ressonância magnética, que demonstram anormalidades que variam de hipoperfusão a hiperperfusão, com uma distribuição não vascular típica, que pode estar associada a um aumento da representação dos vasos corticais distais.
Nenhuma das condições tóxico-metabólicas ou infecções foram detectadas pela TC multimodal, embora, nesses casos, a TCSC possa mostrar áreas de hipoatenuação ou edema, com possível realce pelo contraste. Os achados de perfusão também foram descritos de forma anedótica em relatos de casos, como na encefalopatia de Wernicke, na encefalopatia de Hashimoto e infecções virais.
Além disso, não foi encontrada condições de perfusão de luxo, o que pode representar um desafio no diagnóstico diferencial entre um AVCi pós-perfusão e um simulador de AVC. A perfusão de luxo representa, de fato, a recuperação do FSC para níveis normais ou aumentados em regiões do cérebro infartado quando a revascularização é estabelecida após um acidente vascular cerebral, às vezes de forma espontânea. A perfusão de luxo comumente ocorre em acidentes vasculares cerebrais subagudos, mas também foi relatada em acidentes vasculares cerebrais <24 horas.
Neste estudo, a sensibilidade da TC multimodal para o diagnóstico de stroke mimics foi baixa (25,6%) e permaneceu baixa (34,4%; IC 95%, 22,9–47,3), mesmo excluindo os stroke mimics, que são a priori considerados indetectáveis na TC multimodal (como transtornos de conversão, vertigem posicional, síncope e amnésia global transitória).
Devido à sua baixa sensibilidade, a TC multimodal não pode, portanto, ser considerada uma ferramenta diagnóstica eficiente para o stroke mimics. Nessa coorte, 82% dos stroke mimics foram submetidos à RM no acompanhamento, e a RM determinou o diagnóstico de stroke mimics em apenas 5 pacientes, sem achados relevantes na TC. Embora a ressonância magnética permita descartar um AVC e possa dar uma pista adicional do diagnóstico de stroke mimics, o diagnóstico dessas condições depende de outros exames complementares.
Por outro lado, o presente estudo descreve a alta especificidade da TC multimodal para o diagnóstico de stroke mimics. Isso pode apoiar o médico na escolha de evitar o tratamento de revascularização em stroke mimics com resultados positivos na TC multimodal. Dentre as diferentes técnicas de TC multimodal, a CTP foi a mais útil na detecção dos stroke mimics, demonstrando achados anormais em 95,5% dos diagnósticos.
Apesar do debate atual sobre a utilidade da CTP em pacientes com acidente vascular cerebral nas primeiras 6 horas a partir do início dos sintomas, a CTP tem o potencial de detectar anormalidades de perfusão relacionadas a condições mimetizadoras de acidente vascular cerebral e em casos em que a TC do crânio é tipicamente silenciosa, como em convulsões.
CONCLUSÕES
A TC multimodal tem baixa sensibilidade para o diagnóstico de stroke mimics. Imagens de RM e investigação adicional (análises sorológicas, LCR e EEG) são necessárias para obter um diagnóstico definitivo dessas condições. Pelo contrário, a alta especificidade da TC multimodal para o diagnóstico de simulação de AVC, pode apoiar o clínico na escolha de evitar o tratamento de revascularização em pacientes com diagnóstico de stroke mimics na TC multimodal.
Vanessa Mendes Coelho
