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SkySemiology – Amnésia anterógrada

Caso clínico:

JUV, 65 anos, sexo feminino, hipertensa controlada, em uso de losartana. Trazida ao PS pelo marido referindo que estava muito repetitiva desde o momento que acordou (há 1 hora da admissão). O marido referiu que ao chamar a paciente pela manhã e contar a programação do dia, após poucos minutos a paciente não lembrava da conversa. Ele repetiu as orientações, a paciente pareceu compreender e responder a tudo, mas em poucos minutos ela já havia esquecido.

A paciente havia dormido no dia anterior, por volta das 22h, acordou às 7h e não apresentava queixas na admissão, apenas questionava o médico sobre o motivo de estar no hospital. Ela se lembrava de eventos remotos e até do dia anterior, mas não conseguia referir nenhum evento ocorrido desde o momento que acordou.

O exame físico geral estava normal e o exame neurológico não demonstrava déficits focais, exceto por uma amnésia anterógrada. O NIHSS da admissão era 0.

A paciente foi submetida a TC de crânio e exames laboratoriais gerais, que não demonstraram alterações.

  • Qual sua hipótese diagnóstica (sindrômica, topográfica e etiológica)?
  • Qual exame de imagem deve ser solicitado neste caso e em quanto tempo do início do sintoma deve ser realizado?
Respostas e Discussão do Caso

Temos uma paciente idosa, hipertensa bem controlada, que se apresenta com uma amnésia anterógrada de instalação aguda no PS. A amnésia anterógrada se caracteriza por uma incapacidade de formar novas memórias. Os pacientes são capazes de realizar uma recordação imediata (p.ex.: digit-span), porém após alguns minutos, já não se lembram das informações apresentadas. Esse fenômeno acontece em lesões que acometem as estruturas mediais dos lobos temporais e hipocampos, áreas que são responsáveis no processo de armazenamento de novas memórias.

Sendo assim, nosso diagnóstico sindrômico para o caso é de uma síndrome amnéstica, topografando em lobo temporal medial e hipocampos. Diversas etiologias podem cursar com lesão das áreas citadas acima, como vascular (AVC), traumático (TCE), infeccioso (encefalites virais – p.ex.: Herpes simplex 1), metabólico (deficiência de tiamina), autoimune (p.ex.: encefalite anti-NMDA), paraneoplásico (p.ex.: encefalite anti-Hu em carcinoma de pequenas células de pulmão), epiléptico (epilepsias do lobo temporal) e amnésia global transitória.

Nosso foco durante o atendimento de um caso como esse é descartar as etiologias mais graves e que apresentam tratamento específico. Descartar uma etiologia vascular é mandatório na abordagem inicial e considerar EEG nos casos que forem sugestivos de crise epiléptica (curta duração, eventos recorrentes, automatismos além da amnésia). O exame que vai nos ajudar mais na definição diagnóstica do caso acima é a RM de crânio, em especial se realizada entre 12 e 72h do início dos sintomas. O motivo é devido a um diagnóstico que se apresenta exatamente como no caso relatado acima (amnésia anterógrada de início agudo, sem demais déficits focais e que em geral dura em torno de 6 horas, podendo chegar a 24h). Estamos nos referindo da Amnésia Global Transitória.

A amnésia global transitória (AGT) é uma causa de amnésia anterógrada incomum, benigna e autolimitada, que ocorre com mais frequência em indivíduos idosos. Os pacientes em geral se apresentam com amnésia de início agudo, predominantemente anterógrada, mas que pode ter leve acometimento retrógrado. Os pacientes não têm acometimento da consciência ou outros déficits focais neurológicos.

A RM crânio na fase hiperaguda costuma ser normal, mas quando realizada entre 12-72 horas, pode mostrar focos puntiformes de restrição a difusão (57-88% dos casos) nos hipocampos (figura 1).

Alguns autores recomendam que seja realizada tiamina 500 mg EV durante a abordagem inicial dos casos de amnésia anterógrada (pelo risco de se tratar de um caso de deficiência de tiamina), além de realização de exames para descartar diagnósticos diferenciais mais graves a depender da apresentação clínica.

Não há tratamento específico para AGT e a maioria dos pacientes irá melhorar espontaneamente em menos de 12 horas. O prognóstico é bom no longo prazo e existe um risco de recorrência em torno de 2,5 – 5,8% ao ano. Casos recorrentes devem ser investigados a fim de se excluir outras etiologias.

Semiologia 18

Figura 1. Focos de restrição à difusão na região anterior da formação hipocampal à esquerda.

Respostas:
  1. Síndrome amnéstica; lobos temporais mediais e hipocampos; vascular (AVC, AIT), traumático (TCE), infeccioso (encefalites virais – p.ex.: Herpes simplex 1), metabólico (deficiência de tiamina), autoimune (p.ex.: encefalite anti-NMDA), paraneoplásico (p.ex.: encefalite anti-Hu em carcinoma de pequenas células de pulmão), epiléptico (epilepsias do lobo temporal), amnésia global transitória, psiquiátrico (amnésia dissociativa)
  2. RM crânio entre 12-72 horas do início dos sintomas (reportar suspeita de AGT para direcionar cortes específicos na altura dos hipocampos na sequência DWI)
Referências
  1. Mahler ME. Transient global amnesia. Em: UpToDate, Post TW (Ed), UpToDate, Waltham, MA. (Acessado em 10 de janeiro de 2024)
  2. Brazis, P. W., Masdeu, J. C., & Biller, J. (2017). Localization in clinical neurology: Seventh edition. Wolters Kluwer Health Adis (ESP).

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